sexta-feira, maio 26, 2017

É possível ser cristão sozinho?


Ser um cristão sozinho: entre poder e dever.

Sem desperdiçar palavras: é claro que é possível ser um cristão sozinho. Historicamente, temos diversos exemplos de cristãos que viviam em isolamento voluntário a fim de meditar “livre” das distrações do “mundo”. De certo modo, tudo que a gente experimenta, mesmo que experimentamos em grupo, experimentamos individualmente.

Mas a pergunta real não é se “é possível” ser cristão sozinho, mas, sim, se “se deve” ser cristão sozinho. No primeiro caso, trata-se de possibilidades; no segundo, de propósito. Ou seja, é o propósito de Deus que o cristão viva a sua fé sozinho? Logo, a resposta é “não”. Não porque o cristão precise da igreja para crescer na fé, adorar a Deus junto com os outros e prestar serviços à sociedade coletivamente – geralmente aborda-se a questão a partir destas ideias. Há um motivo maior para o cristão viver a sua fé dentro do contexto da igreja. E a razão é esta: a igreja – com seus milhares de deficiências – é o principal instrumento de Deus para a realização do seu propósito maior de criar novo céu e nova terra, seu projeto final. Elaboremos brevemente.

A nossa salvação pessoal não é o tema central da Bíblia

O fato de a Bíblia começar (Gn 1-2) e terminar (Ap 21-22) com a mesma temática deverá nos alertar a respeito do projeto maior de Deus: da criação para uma nova criação. De céus e terra para novo céu e nova terra. Para a grande surpresa de muitos cristãos, a nossa salvação pessoal não é o tema central e mais abrangente da Bíblia, por mais importante que isto seja. E nem é a eleição de um povo de Deus (Gn 12.1-3) para avançar os propósitos de Deus. Estes são importantíssimos meios para alcançar um fim: novo céu e nova terra.

Só que, como todos os cristãos sabem, houve uma grande encrenca, que a Bíblia chama de “pecado” – um desvio dos propósitos de Deus. A solução para este problema, previsto na história de Eva, de Abraão, de Moisés e de Davi, é Cristo. Certo? Só que a sua vinda não teve como principal propósito “me resgatar”, ou até mesmo colocar novamente o povo de Deus no caminho certo, por mais importante que isto seja. Não, o propósito da vinda de Cristo era o resgate do cosmos (literalmente em João 3.16), a reconciliação de todas as coisas no céu e na terra (Cl 1.20), a convergência nele de todas as coisas no céu e na terra (Ef 1.10), o dobramento de todo joelho no céu, na terra e debaixo da terra (Fp 2.10-11), a sujeição de todas as forças inimigas (1Co 15.24-28), a libertação da criação (Rm 8.18-25). Deu para entender?

Para que serve a igreja?

E a igreja, que tem a ver com isso? Veja a última sentença do último parágrafo e me acompanhe. Para salvar o mundo/cosmos (Jo 3.16), Jesus enviou os seus discípulos (Mt 28.18-20 e outras passagens), a igreja, para todos os povos e como igreja, os capacitou com o Seu Espírito (At 1.8). Deu à igreja, a “nova criação” (2Co 5.17), o ministério de reconciliação (2Co 5.18), para reconciliar todas as coisas (Cl 1.20). Para todas as coisas convergirem em Cristo (Ef 1.10), deu a igreja (Ef 1.22-23). Para sujeitar as forças inimigas (1Co 15.24-28), novamente incumbiu a igreja (Ef 3.10)! E finalmente, a libertação da criação aguardar a libertação (no contexto isto seria a ressurreição corporal) dos filhos de Deus.

Por isso, o Novo Testamento bate tão forte na tecla da vivência cristã “uns aos outros”. Faça uma busca pela ocorrência desta frase (alelon em grego). Vai se surpreender! E é impossível viver “uns aos outros” sozinho. Esta é a reconciliação em Cristo que vivemos e manifestamos com os irmãos e irmãs de fé que sujeita as forças inimigas do reino e que reconcilia efetivamente partes cada vez maiores da criação.
Deu para entender?


Por Timóteo Carriker